No Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, celebrado em 03 de julho, o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) traz uma amostra das ações desenvolvidas por seus servidores para a conscientização de sua comunidade e de toda a sociedade sobre o tema.
O Núcleo de Estudos Afro-brasileiro, Indígena e de Fronteira Maria Dimpina Lobo Duarte (Neabi/Numdi) é a principal congregação institucional de pesquisadoras e pesquisadores em Relações Raciais e Étnico Raciais e Educação Antirracista. Nas palavras de seus próprios integrantes, o Núcleo funciona como um verdadeiro “quilombo epistemológico”. Suas ações são voltadas, principalmente, para o combate ao racismo estrutural e institucional e às desigualdades e violências raciais e étnico-raciais.
Para isso, encampa lutas em favor da descolonização curricular através da pluralidade de saberes e desenvolve ações para garantir a implementação e o sucesso das políticas públicas de ações afirmativas voltadas para as populações negras e indígenas, como as Leis de cotas e as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tornaram obrigatório o ensino da História e cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar com ênfase nas disciplinas de História, Arte e Literatura, objetivando a educação para as relações étnico-raciais.
Além do Numdi diversos campi contam com Comissões de estudos e trabalho sobre as questões e as temáticas raciais e étnico-raciais, a fim de promover um letramento racial nas comunidades estudantis, ao mesmo tempo em que realizam ações de acolhimento.
Outros contam com Comissões mistas que se dedicam aos estudos voltados para a diversidade e para a inclusão de forma ampla, abordando as pautas relacionadas ao gênero e à sexualidade em conjunto com as raciais e étnico-raciais.
A Comissão do campus Primavera do Leste, por exemplo, conta com oito membros internos, docentes e técnicos; e quatro membros externos, psicólogos negros das secretarias estadual e municipal de educação, e cerca de 50 estudantes voluntários comprometidos com a conscientização e o combate às ações antirracistas.
Para além das questões raciais, a comissão abarca outros temas sensíveis como a misoginia, o machismo e a masculinidade tóxica. “A pauta LGBTQIA+ também é olhada por se tratar de uma questão antirracista,” esclarece o docente de História, Max Rodrigues, presidente da comissão criada em 2022.
No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, comemorado em 28 de junho, o grupo se uniu à Comissão de Gênero e promoveu uma atividade de desenhos sobre a temática, coletados para uma exposição, junto com a construção de conceitos e frases que promovam de forma didática os direitos dessas comunidades.
Para um relato pessoal, foi convidada a professora Alice Ayumi, especializada em artes, dança, teatro e desenho em Primavera do Leste. Mulher trans, que tem realizado um trabalho na cidade, especialmente com jovens, a docente falou aos estudantes do ensino médio no período matutino e vespertino, e conduziu uma roda de conversa para os discentes do ensino superior. A humanização foi a tônica do depoimento.
“A professora Alice buscou reforçar alguns avanços e promover a normalização e naturalização do convívio com membros da comunidade LGBTQIA+, lembrando que são seres humanos como qualquer outra pessoa. De forma inspiradora, abordou a questão da humanização, evitando a divinização ou a inferiorização, ressaltando que todos somos humanos, cometemos erros, voltamos atrás, seguimos adiante e lutamos”, pontuou Max.
Letramento Racial & Questões de Gênero
Para a comissão de ações antirracistas do campus, as questões de gênero estão correlacionadas à perspectiva do letramento racial. E seus integrantes partem do pressuposto de que o racismo nasce no século dezesseis/dezessete com o conceito aplicado pelo naturalista Carl Lineu, na classificação de plantas.
“Menciono isso porque a palavra "raça", vem do mesmo radical "ratio" do latim, do qual também deriva a palavra "razão" na língua portuguesa e em outras línguas latinas. "Ratio" significa categoria, categorizar algo. A ideia de razão tem a ver com essa perspectiva de categorização”, explica.
Então, a pauta antirracista não abarca apenas a questão da discussão do racismo desenvolvida pela Europa ao colocar os povos não ocidentais, asiáticos, africanos, aborígenes e indígenas como inferiores. De certa maneira também se intersecciona com a perspectiva de categorização das pessoas em relação à identidade de gênero.
O docente lembra que, historicamente, o movimento feminista se consolidou de forma aliada ao movimento antirracista nos Estados Unidos no século dezenove, no caso do movimento pela emancipação dos negros, mesmo após a abolição da escravidão naquele país.
E é por essa razão que o letramento racial no campus abrange outras lutas, com os estudantes da comissão antirracista se envolvendo na organização do evento de 28 de junho. Mais adiante, a comissão pretende continuar com algumas leituras de textos com a ideia de que eles [estudantes] se tornem reprodutores desse letramento, trazendo esse diálogo para a própria casa, para o círculo de amigos, aprendendo a se posicionar em relação a manifestações racistas no cotidiano, na escola.
“Esse letramento fornece o suporte para que eles possam replicar no convívio em sociedade. Com isso oficialmente colocado, lembramos, inclusive, a constituição, os direitos básicos e a própria perspectiva curricular que as escolas, de maneira geral, precisam cumprir e destacamos que a questão da luta LGBTQIA+ também é uma luta antirracista”.
O diretor-geral Frederico Martins conta que o campus tem trabalhado para dar visibilidade e protagonismo aos estudantes, reforçando que a base para uma sociedade mais justa é o respeito.
“Sabemos que a população negra e LGBTQIA+ carece de mais representatividade e de mais espaços para atuação. Através destas ações da comissão temos verificado uma melhora considerável no comportamento dos estudantes e a diminuição do número de ocorrências por falas racistas, homofóbicas e misóginas,” avaliou.
Desafios institucionais
Reflexão semelhante, porém relacionada mais especificamente aos desafios institucionais, é trazida pelo diretor de Ensino Médio da Pró-reitoria de Ensino do IFMT, e membro do Numdi, Lucas Café.
“É de suma importância a existência de Comissões atuantes que se debruçam no trabalho com as questões e as temáticas relacionadas às relações raciais e étnico-raciais e às relações de gênero. Geralmente, são as membras e os membros dessas Comissões as pessoas que lideram em suas unidades as iniciativas em prol da implementação de uma educação antirracista, anti-machista e/ou antissexista”.
O diretor observa que não é incomum que essas pessoas sejam as únicas que se debruçam na tarefa de descolonizar o currículo e fazer o enfrentamento ao que classificou como as brutalizações e as desumanizações impostas pelo racismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado.
“O desafio institucional é apoiar e ampliar o trabalho desenvolvido por essas comissões, para que, verdadeiramente, se implemente o que está disposto na legislação educacional antirracista, antimachista e antissexista e seja possível uma Educação Profissional Técnica plural, diversa e inclusiva que, acima de tudo, respeite e valorize as diferenças,” defendeu.
Com a palavra, os estudantes
O discente do sétimo semestre do curso de Engenharia de Controle e Automação, Dominique Junior Vaz, integrante da comissão de Ações Antirracistas, refletiu sobre o evento como gerador de inclusão, respeito e aceitação, com reflexos em toda a comunidade estudantil.
“Fiquei extremamente feliz e honrado por sentir que nosso instituto está aberto e disposto a promover essa inclusão para todos os estudantes. Levarei essa experiência ao longo da minha jornada acadêmica e profissional, podendo dizer que estudei em uma instituição que respeita a diversidade e valoriza seus alunos. Foi um marco muito positivo pra nossa instituição, refletindo na comunidade estudantil. Esse evento ficará marcado em minha memória como um momento de inclusão, respeito, união e aceitação. Vamos continuar trabalhando juntos pra construir um ambiente acadêmico cada vez mais acolhedor e inclusivo”.
Já a aluna do segundo ano do Ensino Médio, Maria Júlia destacou o acolhimento e o caráter inédito e relevante da iniciativa.
“Considero de extrema importância e, sendo uma pessoa da comunidade LGBT me senti imensamente acolhida. Talvez como nunca antes. Sempre tive muitas inseguranças, e acredito que muitas outras pessoas também devem ter se sentido assim. Achei a iniciativa muito significativa. Acredito que seja a primeira vez que algo assim acontece no campus. Essa data precisa ser lembrada todos os anos, e devemos continuar nessa luta sempre”.
